sábado, 26 de março de 2016

Santa Valha de Monforte - Valpaços.


Está a decorrer a semana da Páscoa, vulgarmente designada por semana santa, marcada pela crucificação e ressurreição de Cristo. 
No País, especialmente em Trás-os-Montes, ainda se revivem tradições cristãs que remontam à época medieval, como os autos da Paixão e as "via - sacras". Estas celebrações, representadas sob a forma de teatro popular, desenvolvem-se em cenários de luto, com a utilização de tons roxos e negros.
Em várias freguesias que pertenceram ao antigo concelho de Monforte de Rio Livre, a representação dos autos da Paixão, também designados por Endoenças, contaram com grande adesão e envolvência das populações.  Prolongaram-se até à segunda metade do século XX, abrangendo a narrativa Evangélica dos últimos dias de Cristo, desde a traição até à morte e deposição na Cruz. Existem memórias desta tradição religiosa nas freguesias de Lebução, Santo António de Monforte, Sonim e Santa Valha, com a envolvência de dezenas de figurantes.
Mas é sobre a freguesia de Santa Valha que a memória oral e os testemunhos arqueológicos da representação dos autos da Paixão, prendem mais a nossa atenção. Desde logo pela existência de uma joia pré-românica - capela de santa Maria Madalena - em cujo adro se encontra construído um Calvário, constituído por três cruzes em granito, provavelmente contemporâneo da construção da capela.
Aldeia de Santa Valha - Valpaços


Capela de santa Maria Madalena.

Calvário no adro da capela
Dizem-me que o último ano de que há memória da realização dos autos da Paixão, se reporta a 1946, envolvendo quase uma centena de participantes. O cortejo saía em direção à Praça, em frente à igreja matriz de santa Eulália, local onde se desenvolvia a primeira parte da representação. Seguidamente dirigia-se para o adro da capela de santa Maria Madalena onde, no Calvário, se desenvolvia a cena final - a crucificação de Jesus. 
Hoje já não se verificam representações dos autos da Paixão, mas a data é vivida religiosamente pela população da freguesia, juntamente com o seu pároco - Rev. Alberto Gonçalves da Eira. Logo pela manhã de sexta-feira santa é rezada a via-sacra, em procissão pelas catorze estações, representadas por igual número de belos e antigos cruzeiros de granito, localizados estrategicamente, ao longo da povoação. A oração termina no interior da capela de santa Maria Madalena.

Final da via-sacra - dia 25 de Março de 2016
Não há dúvida que a devoção popular a Maria Madalena está associada à morte e, também, à ressurreição de Cristo. São quatro os Evangelhos que o referem, e todos são concordantes no que respeita ao papel de Madalena como primeira testemunha da ressurreição. Segundo o Evangelho de João (20, 11-18):
No domingo de manhã, bem cedo, Madalena dirigiu-se ao local onde Jesus havia sido sepultado. Enquanto chorava, inclinou-se para o interior do sepulcro e viu dois anjos, sentados no lugar onde Jesus foi colocado, um aos pés e outro à cabeceira. Perguntaram-lhe então: "Mulher, porque choras?"
Ela respondeu: "Levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram". Dizendo isto virou-se e viu Jesus de pé, mas não o reconheceu.
Jesus perguntou-lhe: "Mulher porque choras? a quem procuras?". Pensando ser um jardineiro, Madalena respondeu-lhe: "Senhor, se foste tu que o levaste, diz-me onde o puseste e eu o irei buscar"! Jesus chama-lhe pelo nome: "Maria"!
Madalena voltou-se e num gesto de aproximação, responde: "Rabboni" (Mestre)!
Jesus disse-lhe: "Noli me tangere! (não me toques, não me detenhas) pois ainda não subi ao Pai. Vai porém a meus irmãos e diz-lhes: subo a meu Pai e a vosso Pai; a meu Deus e a vosso Deus".
Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: "Vi o Senhor"!

Este episódio de "Noli me tangere"narrado no Evangelho de João tem inspirado, ao longo dos tempos, numerosos poetas e artistas. 
O nosso Padre António Vieira, também se referiu à madrugada da ressurreição e a Maria Madalena, em vários sermões. Como este - sermão do Mandato -, pregado em Lisboa, no Hospital Real, em 1643:
Foi a Madalena ao sepulcro de Cristo na madrugada da Ressurreição. Olhou, não achou a sagrado corpo, tornou a olhar, persistiu, chorou. E qual cuidais que era a causa de todas estas diligências? 
Sabia a Madalena, como experimentada, que a ausência tem os efeitos de morte: apartar e depois esfriar. E como se via apartada do seu amado, que é o primeiro efeito, temia que lhe esfriasse a amor no coração, que é o segundo.
Imagens da padroeira no interior da capela. Pintura de Tristão Correia, de Chaves, em 1555.
Interior da capela de santa Maria Madalena

Aos Amigos e a todos aqueles que visitam este blogue, desejo uma Feliz Páscoa. 


segunda-feira, 21 de março de 2016

Feira do Folar de Valpaços
Com sucesso, sempre renovado, desde 1999. E, por isso, um encontro marcado para o fim de semana que precede a Páscoa, em cada ano.













segunda-feira, 14 de março de 2016

Freguesia de Cimo de Vila da Castanheira - Chaves

Romaria de S. Sebastião. Realiza-se no dia vinte de Janeiro de cada ano, na capela situada no alto do monte, conhecido por castro de S. Sebastião. Associada à romaria do santo existiu uma feira medieval, durante séculos, na qual marcavam presença muitos feirantes galegos. O padre memorialista da freguesia, João Fernandes d`Além, descreve a romaria e a feira, em 1758: “Há em hum alto huma capela do mártir Sam Sebastião que antiguamente foi igreja grande. Há anos se mandou reformar esta capella e em parte do corpo da igreja ficou um cabido e suas colunas aonde se recolhe a gente para ouvir missa no dia em que se celebra a festa do dito sancto, que hé todos os anos no dia vinte de Janeiro. Esta capella fica defronte da igreja matriz (de S. João Baptista) trezentos passos. Hé administrada pelos fregueses da dita e ornada pelas esmolas que dão os fiéis em dia do mesmo sancto. Trazem de esmola munta orelha e muntos pés de porco, em que tem chegado alguns anos o rendimento della a dez e doze mil réis.”
Castro de S. Sebastião



Igreja românica de S. João Baptista da Castanheira
Capela de S. Sebastião
Pela descrição arquitectónica da capela, e comparando-a com a actual, vemos que se encontra completamente descaracterizada. Exteriormente não se vê rasto do cabido com colunas, onde as pessoas se abrigavam, mas no seu interior podem apreciar-se frescos lindíssimos. 
Escultura antiga de S. Sebastião
Cena alusiva à Paixão de Cristo
Tecto da capela
Frescos das paredes laterais encobertos.
Altar-mor completo
Feira de S. Sebastião. “Nesse mesmo sítio, junto à mesma capella se faz feira no dia vinte de Janeiro, adonde se junta bastante gente, que consta a feira de várias tendas, munta panela, sola, pão alvo, munto jugo, arados, cestos grandes e piquenos que vêm da Galiza e durará a feira três ou quatro horas.”
Com data de 21 de Junho de 1441, D. Afonso V nomeava João da Costa, para escrivão das sisas dos panos da feira de S. Sebastião, função que acumulava com a de pároco da freguesia. Podemos assim, de algum modo, concluir que em meados do século XV, já existia a capela de S. Sebastião e, no largo em seu redor, já se realizava a feira, com as características mais tarde referidas pelo padre memorialista.
A feira de S. Sebastião não chegou aos nossos dias, mas o Santo protector contra a fome, a peste e a guerra continua sendo festejado, com devoção, pelos fiéis da freguesia de Cimo de Vila e freguesias vizinhas. Com uma missa ao início da tarde, seguida de uma procissão com o andor do santo à volta da capela. Termina com o leilão dos produtos trazidos pelos fiéis que, tal como antigamente, consistem em carnes de porco fumadas e saborosos salpicões transmontanos. O espaço onde outrora se realizava a feira é agora ocupado pelos automóveis que transportam os romeiros actuais de S. Sebastião.
 Romaria de S. Sebastião. Dia 20 de Janeiro de 2016.




Do alto do monte avista-se uma imponente paisagem de todo o vale da Castanheira, que é povoado pelas freguesias de Cimo de Vila e Sanfins.
 

 


domingo, 6 de março de 2016


Freguesia de Santo António de Monforte – Chaves

 Foi uma das vinte e oito freguesias do concelho de Monforte de Rio Livre, então designada por freguesia de Santo António de Curral de Vacas. Com a extinção do concelho, pelo governo Regenerador de 1853, passou a fazer parte do concelho de Chaves.
Perdeu a sua autonomia como freguesia em 1860, vindo a ser integrada na freguesia de Águas Frias, a partir de um de Janeiro de 1861. Aproximadamente um século depois, em 1952, o povo de Curral de Vacas encetou um processo administrativo, com vista à separação da freguesia de Águas Frias, ao mesmo tempo que reivindicou uma nova designação para a freguesia a criar: Santo António de Monforte. Para o efeito invocou razões históricas de pertença a Monforte de Rio Livre e veio a ser, novamente, freguesia autónoma, sob a designação pretendida, em 1960.
Faz parte desta freguesia uma pequena povoação, como nos indica o diminutivo do seu topónimo – Nogueirinhas -, actualmente habitada por nove pessoas.
Foi esta pequenina aldeia que visitei, com o objectivo de rever um templo do século XVII – capela de Santa Luzia – da qual tinha informações que havia sido reconstruida recentemente.
Na descida acentuada de um monte, onde se podem apreciar fragas sobrepostas de belo efeito, surge lá ao fundo um enorme espelho de água, que faz parte da barragem das Nogueirinhas.

E a coroar a serra do Brunheiro, logo em frente, vemos o castelo de Monforte do Rio Livre, com a povoação de Águas Frias, aninhada na sua encosta.


Ao atravessar a barragem e sua envolvente, avista-se uma fraga no meio da água, na qual assenta uma Cruz. O símbolo cristão naquele local tão singular, chama a atenção de quem passa e, naturalmente, se interroga qual a razão: se a simbólica cristianização daquele espaço ou a memória de uma tragédia ocorrida, aquando da construção da barragem. Não o sabemos.
Mais dois ou três quilómetros percorridos e surge, então, à nossa frente o templo de Santa Luzia renovado, mesmo à beira da estrada, junto à placa indicativa da povoação.


Como a capela se encontrava fechada, e tendo em conta a solidão que envolve o meio rural, já me dispunha a regressar sem ver o seu interior, não fosse uma placa que avistei, um pouco mais à frente, com a indicação de ali haver um santuário.


Atravessei a pé, creio que a única rua da aldeia, e avisto um prado relativamente extenso, na encosta de um monte encimado por frondosas árvores. Várias esculturas de cor branca povoam fragas, estrategicamente localizadas no monte. No cimo junto às árvores encontra-se um calvário feito em madeira.


Enquanto observava tão imprevisível cenário, fui abordada por um simpático senhor, residente e natural da aldeia, Horácio Teixeira, que, sendo um dos principais entusiastas e obreiros de tal espaço, me falou da história daquele local. As esculturas dos Santos nas fragas e das ovelhinhas no prado são recentes, do ano 2010. Lembra-se desde menino que naquele local se realizavam missas campais, especialmente na semana que antecede a Páscoa. Quanto à instalação do calvário referiu que durante a missa eram colocados panos roxos sobre aquelas cruzes.
Seguidamente disponibilizou-se para me mostrar a capela de Santa Luzia, já que guardava a chave da mesma e, dado o entusiasmo como me falava, facilmente me apercebi que foi um dos responsáveis pela sua reconstrução.
Disse-me que esta foi possível, graças a contribuições solidárias de emigrantes filhos da terra e alguns residentes na freguesia. Na última festa do orago, que se realiza a 13 de Dezembro, estiveram presentes, nas cerimónias religiosas, mais de duzentas pessoas.
Também conhecida por capela das Nogueirinhas, compõe-se de um corpo único sem sacristia, de configuração quadrangular e de um alpendre que antecipa a porta principal. A reconstrução respeitou as linhas interiores e exteriores da capela.
O único altar, onde se encontra exposto o orago, foi feito à imagem do antigo que, carcomido pelos anos, se tornou irrecuperável.

O senhor Horácio António Gonçalves Teixeira  foi emigrante em França, durante muitos anos. Regressou recentemente e construiu uma casa na aldeia, onde vive com a sua esposa.
Que as forças não lhe faltem para continuar a zelar e engrandecer o património da sua terra natal.